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Historia de Bom retiro SP

 

A inauguração, em 1867, da São Paulo Railways, conhecida como "A Inglesa", e, mais tarde, da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, favoreceu a construção de galpões para depósitos de mercadorias, estrategicamente próximos das estações ferroviárias, ao longo de bairros como o Bom Retiro.
Anteriormente, a presença de grandes chácaras e propriedades rurais caracterizou o conhecido bairro comercial do Bom Retiro como local, dentro da capital paulistana, convidativo à caça e pesca.
Em torno de 1881, iniciaram-se os primeiros loteamentos que atraiam os imigrantes. O bairro constituía-se como um bairro residencial de cunho proletário.
Em 1912, foi instalada no Bom Retiro a primeira Sinagoga de São Paulo, por iniciativa de judeus originários da Europa. Com o passar dos anos, o bairro chegou a abrigar 10 Sinagogas que atendem os grupos israelitas de diferentes origens. Dentre as contribuições culturais da colônia judaica à cidade de São Paulo, destaca-se o Teatro de Arte Israelita Brasileiro, o TAIB, também no bairro.
Na década de 1930, o bairro sofreu um rápido processo de adensamento de comércio e residências, ao lado de pequenas chácaras, estábulos e mesmo de terrenos baldios.
Outra grande comunidade que se agrupou no bairro foi a dos imigrantes árabes, tradicionalmente conhecidos como introdutores do sistema de venda, por crediário, de roupas e produtos de uso doméstico de porta em porta. A facilidade para financiar as compras fez o mascate árabe ser popularmente conhecido como "o turco da prestação".
Ao final da década de 1950, a ocupação de estabelecimentos comerciais impôs-se às residências. Começaram a surgir as galerias e centros comerciais. Das matracas e dos pregões que eram a forma primitiva de anunciar seus produtos, os comerciantes árabes e judeus foram evoluindo para a criação dos bazares em pontos fixos, e para a formação de tais galerias que reúnem lojas diversas. Roupas, calçados, colchas, toalhas até aparelhos domésticos a preços atrativos. Quase tudo pode ser comprado no Bom Retiro.
No final do século XX, chegaram os coreanos. Com eles, cresceu a característica de mosaico comercial do bairro do Bom Retiro. A venda de produtos em atacado para pequenos comerciantes, que vem de outras regiões do Brasil e da América Latina, gera um grande movimento na economia do bairro. E proporciona oportunidades para os vendedores ambulantes, que praticam o comércio informal. Em função da situação econômica do país essa atividade cresce a cada dia, especialmente no bairro do Bom Retiro. Essas atividades, no entanto, não prejudicam o mosaico comercial que caracteriza o bairro.

Texto Original: Valentim de Souza, 2001.
Fonte: Acervo Júlio Abe.
Revisão: Fabio de Paula, novembro de 2002.

 

Bom Retiro dos Imigrantes

 Bernardo Ricupero 

"O maiore distritto di Zan Baolo
O maise bello e ch'io maise dimiro
É o Bó Retiro" (Juó Bananére)


Juó Bananére nunca existiu. Mesmo assim, escreveu um dos mais ricos e reveladores 
retratos da São Paulo do início do século que se conhece: La Divina Increnca. A cidade era então primordialmente italiana. Nada mais natural, portanto, que um conterrâneo de Dante descesse ao inferno da jovem metrópole e narrasse, num misto de italiano e português, as aventuras que pululavam pelas ruas da Paulicéia.

Nessas aventuras, o bairro do Bom Retiro tem um papel central. O que também não é de se estranhar. Afinal, desde a construção da São Paulo Railway, inaugurada em 1867, o bairro, devido a sua proximidade com as estações ferroviárias, se tornara um ponto efervescente para armazéns, que guardavam as mercadorias trazidas pela famigerada "inglesa". Não tardou que surgisse uma indústria que transformasse essas mercadorias, marcando definitivamente, com fisionomia operária, o Bom Retiro.

Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, o verdadeiro autor de La Divina Increnca, estava situado de maneira privilegiada para descrever o que ocorria no bairro e na cidade. Apesar de ostentar um sobrenome inconfundivelmente brasileiro, fora aluno da Escola Politécnica, localizada na rua Três Rios, lá no Bom Retiro. Pôde provavelmente, assim, presenciar, em primeira mão, muito do que depois narrou.

O Bom Retiro de Juó Bonanére pouco tinha a ver com o bairro original. Apesar de apenas 1.600 metros o separarem da região central da Sé, tinha sido até a construção da estrada de ferro uma aprazível região de chácaras, procuradas, durante os finais-de-semana, como refúgio pelas mais abastados famílias de São Paulo. Uma delas se chamava justamente Bom Retiro.

A segunda leva importante de imigrantes modifica, mais uma vez, a cara do bairro. Se os italianos que tinham se instalado, desde 1880, nas proximidades das estações ferroviárias eram em geral operários, os judeus que passam a chegar a partir de 1900, são principalmente comerciantes. 
Substituem os sírio-libaneses, que como mascates, comerciantes ambulantes, percorriam o Brasil, oferecendo uma ampla gama de mercadorias para a população de baixa renda. A imigração mais antiga dos assim chamados mascates turcos, já que eram naturais de países então pertencentes ao império otomano, com o tempo passara a se fixar em alguns pontos de comércio e indústria ligeira. 

De qualquer forma, tanto uns como outros, ofereciam muito mais opções de consumo para os trabalhadores das fazendas do que as anteriormente existentes com os "barracões", controlados pelos proprietários rurais. Boa parte das grandes redes de magazine, que ainda vendem a prazo, tem sua origem nesse tipo de comércio.

Porém, um ponto, em especial, diferencia os judeus dos sírios e libaneses. Os últimos são em número muito maior do que os primeiros, cerca de dez vezes mais, o que possibilitou que se dispersassem pelo país. Os pouco numerosos judeus, em compensação, que hoje são cerca de 150 mil em todo país, se quiserem manter sua identidade precisam se concentrar em áreas específicas, tendo escolhido principalmente os grandes centros urbanos para tanto.

Na capital do estado de São Paulo, onde se encontra quase a metade dos judeus brasileiros, se instalam, de início, principalmente no bairro do Bom Retiro. Lá se especializarão no comércio e na indústria ligeira de confecção de roupas feitas. A rua José Paulino, passagem única da Estação da Luz para o Bom Retiro, tinha e ainda tem papel central nessas atividades. 

As palavras de Hilário Dertônio servem para descrevê-la ontem como hoje: 
"Muitas velhas casas da rua foram derrubadas e no lugar se construíam grandes galerias, com centenas de lojas em cada uma, principalmente de artigos de vestuário, muitas delas tendo, nos fundos, suas próprias oficinas de costura ou fábricas de malhas, gravatas, e quejandas mercadorias. Sobrou pouco espaço para o restante do comércio: há duas ou três farmácias, panificadoras, agências bancárias, casas de lanches, leiterias, repartições públicas, construtoras, administradoras, casas de móveis, transportadoras, apenas o suficiente para que a rua possa viver. O restante são lojas, lojas, lojas, onde todos os seis milhões de paulistanos poderiam se abastecer".

Dos judeus que substituíram os italianos como população majoritária do bairro, aos coreanos, bolivianos e peruanos que não param de afluir, pouco parece ter mudado no Bom Retiro. É verdade que as enormes diferenças culturais dão a impressão da existência de uma quase arqueologia urbana no bairro, que deixa sobreposta, em camadas pelas ruas, a contribuição de cada povo. 

Por outro lado, leva atrás de leva de imigrantes veio a exercer atividades econômicas similares, fazendo uso de expedientes também parecidos para produzir e comerciar. Especializaram-se na venda de roupas baratas produzidas em precárias confecções, onde na falta de capital, o trabalho é intensivo. Souberam se beneficiar da proximidade com as estações ferroviárias, ponto para e de onde afluem as mercadorias demandadas pelas camadas mais pobres da megalópole paulista.
Assim, com engenho, e de forma muitas vezes brutal, vão superando suas limitações. No final, mudam-se do bairro decadente, como fazem atualmente os judeus e os coreanos, e antes delesos italianos, para que ai só fiquem os mais pobres, hoje de rostos andinos, submetidos a um regime de trabalho próximo da escravidão. 

É quase certo, portanto, que bolivianos e peruanos não nutrirão desejos como os de Juó Banararé:


"Ai chi mi dera
Chi o meu úrtimo sospiro
Fosse lá nu Bó Ritiro,
I o meu tumbolo tambê".

 

 

Bernardo Ricupero, membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial; mestre e doutorando em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo.