Pedras trazidas da Lua há quase 40
anos ainda mostram segredos
Guy Gugliotta
No laboratório, as pedras lunares parecem corriqueiras -
basalto cinza escuro, um mineral esbranquiçado conhecido
como anortosito e misturas desses dois materiais com o
acréscimo de cristais. Mas, passados quase 40 anos do
pouso dos astronautas do Programa Apollo na Lua, as
porções da Lua que eles trouxeram à Terra continuam a
revelar aos cientistas segredos sobre o satélite.
Nasa/The New York Times

Rocha lunar é exibida no Instituto Lunar e Planetário em
Houston, Texas.
"Nós chamamos esta pedra de 'rocha gênese', porque ela
se formou mais ou menos na época em que a Lua se
solidificou, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás", diz
Carlton Allen, apontando para uma pedra clara, do
tamanho e forma de um apagador, que repousa em uma caixa
de vidro cheia de nitrogênio inerte.
"Sabemos que o Big Bang aconteceu 14,5 bilhões de anos
atrás", disse Allen, "e esta rocha tem um terço dessa
idade. Não se pode encontrar matéria sólida mais velha,
em nosso sistema solar".
Allen é curador de astromateriais no Centro Espacial
Johnson, que abriga o Laboratório de Amostras Lunares,
uma instalação segura inaugurada em 1979 para abrigar
382 quilos de pedras e amostras de solo lunares
recolhidas pelos astronautas norte-americanos em seis
visitas.
As pedras obtidas na superfície lunar, que ficaram
inalteradas, preservadas em um vácuo desde sua formação,
oferecem oportunidades de investigação da origem e
evolução do sistema solar que não estão disponíveis em
qualquer outro lugar, e o estudo se aprofunda com cada
nova geração de cientistas e instrumentos científicos.
A cada ano, um conselho de avaliação científica
considera novas propostas de pesquisa, e os curadores
enviam cerca de 400 amostras lunares a entre 40 e 50
cientistas de todo o mundo. Quase todas elas têm menos
de um grama de peso. "Não as distribuímos; apenas
emprestamos", afirma Allen. "Não prevemos que nosso
estoque se esgote".
Ao longo dos anos, as amostras permitiram muitas
observações originais sobre o nosso vizinho astronômico
mais próximo. Com base nas amostras, aprendemos quando a
Lua foi formada, provavelmente como resultado (embora
continue a haver controvérsias a respeito) do choque
entre um planetóide e a Terra em sua juventude, o que
arremessou ao espaço uma nuvem de destroços que se
congregaram para formar a Lua.
As amostras confirmaram que impactos de asteróides e
meteoros, e não atividade vulcânica, criaram a vasta
maioria das crateras que definem a grafia lunar,
enquanto uma barragem constante de meteoritos,
micrometeoritos e radiação levou ao derretimento do
leito rochoso, criando um cobertor de poeira e terra
solta - conhecido como rególito - que recobre a
superfície lunar.
E conhecer a idade das rochas lunares, que pode ser
calculada com precisão da ordem de 20 milhões de anos,
permitiu que os cientistas estabeleçam uma norma de
comparação que permite que datem as características
geológicas do Sistema Solar. A superfície da Terra, uma
das mais jovens grafias do sistema, está mudando
constantemente, em resultado de falhas, dobras,
movimentos e acomodações causados por erupções,
terremotos e explosões. Em contraste, a Lua apresenta
uma das grafias mais antigas. "É difícil conceber
intelectualmente um lugar onde nada acontece", diz
Allen. "Mas é isso que a Lua é".
Nos últimos anos, as rochas ajudaram os pesquisadores a
responder a questões práticas surgidas depois que o
presidente Bush lançou, em 2004, propostas que levariam
a um retorno à Lua, em 2020, com o estabelecimento de
uma base permanente. Os planejadores estão usando as
rochas para estudar o efeito pernicioso do rególito
sobre as máquinas e a saúde dos astronautas. Eles estão
aprendendo como extrair oxigênio e outros elementos
vitais das rochas e terra lunares. E precisam
compreender de que maneira proteger os espaços de
habitação contra a mortífera radiação que atinge a
superfície da Lua sem descanso.
As amostras - um total de 2,2 mil - são mantidas em
caixas cheias de nitrogênio, em um cofre de aço
inoxidável localizado no segundo piso do laboratório de
1,2 mil metros quadrados, e são transferidas a outras
porções do edifício por um sistema de tubos de ar
comprimido. Os técnicos preparam o material para remessa
usando caixas dotadas de aberturas equipadas com luvas,
usando ferramentas e recipientes esterilizados.
As amostras são numeradas e separadas com base nas
missões que as recolheram. Todas as missões Apollo que
pousaram na Lua, a começar da Apollo 11, em 1969, e até
a Apollo 17, em dezembro de 1972, pousaram em locais
equatoriais, mas o terreno era diferente em cada caso, e
as amostras refletem as diferenças. A rocha-gênese foi
recolhida pelos astronautas da Apollo 15 perto de Hadley
Rille, no limite entre um dos "mares" - depressões no
terreno - lunares e o altiplano.
A chegada das primeiras pedras da Lua, em 1969, era
muito aguardada pelos cientistas. "Não tínhamos idéia do
que a Lua era feita", relembra Allen, e as duas
primeiras décadas de pesquisa se concentraram nas
questões básicas - a idade e composição das pedras
lunares e a origem e evolução da geologia e dos traços
gráficos salientes da Lua.
A Lua se desenvolveu inicialmente como uma bola de magma
quase líquida, coberta por uma fina camada de minerais
mais leves. A crosta se tornou o anortosito branco, que
flutuava por sobre o magma e veio a formar os
altiplanos. O basalto irrompeu posteriormente e se
solidificou mais tarde nos mares, mais baixos.
O anortosito e outras rochas semelhantes nos altiplanos
e a lava de basalto nos mares são os componentes básicos
da Lua. Outras rochas são conhecidas como "breccias" -
rochas esmagadas e quebradas, fundidas pelo calor das
colisões de impacto e ejetadas das crateras resultantes.
Os pesquisadores afirmam que os altiplanos apresentam
mais crateras que os mares. Isso significa que tenham
sofrido mais impactos, de modo que as rochas dos
altiplanos são relativamente mais velhas. Mas quando
obtiveram amostras das rochas puderam determinar sua
idade absoluta em anos.
Isso permitiu que eles criassem uma referência aplicável
a qualquer outra parte do Sistema Solar. A Lua
demonstrou que um local com rochas de uma determinada
idade teria número previsível de crateras de dimensões
diferentes. E já que o ritmo de impacto é provavelmente
semelhante em todo o sistema, as datas lunares poderiam
ser usadas como referência para estimar a idade de
superfícies em outros astros.
"Isso foi muito importante - determinar que os impactos
são um fenômeno significativo e fundamental com efeito
não só sobre a Lua e os planetas mas sobre a vida em
si", diz Paul Spudis, geólogo planetário do Instituto
Lunar e Planetário de Houston. "Nós sabíamos que
impactos aconteciam, mas até que as rochas fossem
obtidas os considerávamos como acidentes geológicos".
Isso mudou. No começo dos anos 80, os cientistas
conseguiram demonstrar que depósitos de minerais e
cristais terrestres com 65 milhões de anos de idade eram
bastante semelhantes aos encontrados rotineiramente na
amostras lunares. Isso resultou na teoria, hoje
amplamente aceita, de que o impacto de um asteróide
contra a Terra resultou na extinção dos dinossauros.
Os cientistas lunares agora acreditam que essa percepção
possa ter implicações ainda mais amplas. Análises de
amostras e crateras de impacto lunares demonstraram que
a superfície da Lua era sólida 4,3 bilhões de anos
atrás, mas as rochas de impacto mais antigas encontradas
entre as amostras tinham 3,9 bilhões de anos.
Alguns pesquisadores sugeriram que os impactos sobre a
Lua começaram a escassear 4,3 bilhões de anos atrás, e
depois foram retomados de forma violenta em um
"cataclismo" ocorrido 400 milhões de anos à frente. E,
caso esse cataclismo tenha afetado a Lua, ele com
certeza afetou a Terra ¿e no período em que a vida
estava apenas começando.
"Isso é muito controverso", diz Charles Shearer,
cientista lunar na Universidade do Novo México e
presidente do comitê de revisão científica do
laboratório. "É importante que obtenhamos amostras de
outros terrenos".
E isso explica em parte os atrativos do projeto lunar de
Bush, que planeja uma base perto do pólo sul da Lua e a
exploração de toda a superfície do satélite, incluindo a
face oculta. São possibilidades "que realmente
entusiasmam a classe científica", diz Allen.
Bem, nem todo mundo. "É muito difícil justificar a Lua
como meta primária de um programa espacial tripulado -
não há muito de novo a descobrir", disse Robert Zubrin,
presidente da Sociedade Marte e crítico da exploração
lunar renovada. "Se queremos um desafio, Marte é o
melhor. Ou pretendemos inspirar a juventude atual
repetindo os feitos de seus avós?"
Um desses avós é Lawrence Taylor, 70, geólogo lunar e
especialista em rególito na Universidade do Tennessee.
Ele desenvolveu maneiras de extrair oxigênio da poeira
lunar e, com base no conhecimento de que o rególito
contém minério de ferro, patenteou um método que permite
transformá-lo em vidro, por microondas. O material seria
usado como revestimento para locais de pouso de
espaçonaves ou estradas.
"Muita gente me procura, agora", disse Taylor. "Antes,
as pessoas me contactavam apenas por curiosidade, mas
agora estou em posição de destaque na comunidade
científica".
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